Portugal sabia de atentado em Madrid
Os serviços de informação portugueses
foram informados de que haveria um ataque terrorista em Madrid, no dia
11 de Março de 2004. As autoridades espanholas foram avisadas.
Texto | Filipe Branco
Os serviços secretos portugueses comunicaram aos congéneres espanhóis,
em Fevereiro de 2004, uma informação colhida pelo SEF (Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras), segundo a qual iria dar-se um atentado da
Al-Qaeda em Madrid, no dia 11 de Março - como aconteceu.
Ao que o "T&Q" apurou, de fonte conhecedora do caso, a "dica" foi
dada a dois inspectores do SEF por imigrantes romenos, duas a três
semanas antes dos atentados que vieram a ocorrer em quatro estações de
comboio em Madrid.
Os inspectores, que transportaram os romenos por via aérea, na
sequência de um processo de expulsão para o país de origem, ouviram,
com espanto, a informação e - segundo a mesma fonte - tomaram-na a
sério.
A garantia de que estava em preparação um atentado em Espanha para
aquele dia fora transmitida aos romenos por marroquinos que tinham
estado detidos em Portugal na mesma prisão - a cumprir pena por crimes
aqui praticados - e que com eles conviveram por alguns meses.
Durante a viagem de avião, com escala em Amesterdão, Holanda, os
romenos contaram que os marroquinos diziam que se estava a preparar um
atentado em Madrid, previsto para 11 de Março de 2004. Os romenos
tê-lo-ão transmitido em jeito de satisfação e de vingança por terem
sido expulsos do nosso país, e em tom de quem sabia do que falava, como
quem diz: "Primeiro vai ser Espanha, mas qualquer dia chega a vossa
hora!".
Ao que o "T&Q" apurou, a informação terá sido comunicada, dias
depois, à "secreta" espanhola - o Centro Nacional de Inteligência (CNI)
- pelos serviços de "inteligência" portugueses, coordenados pelo
Gabinete Coordenador de Segurança (GCS).
Os serviços de informação portugueses, continua a mesma fonte,
desconhecem qual o crédito que os espanhóis deram à informação, a qual,
embora não indicasse o local exacto das explosões, se revelou
"estranhamente precisa" quanto à data e à cidade, a capital espanhola.
Aviso confirmado
"Há um fundo de verdade nessa situação", confirmou ao "T&Q" o
tenente-general Leonel Carvalho, dirigente máximo do GCS, que, dois
anos depois, ainda tem presente o caso.
"De facto houve uma situação de expulsão de um grupo de moldavos e
romenos, resultante de uma pena acessória", recorda o responsável. "Um
deles, durante a condução, terá feito referência a um hipotético
atentado, sem referir o local", continua, relatando a versão oficial.
"Não se levou demasiado a sério a ameaça, mas tomaram-se as
providências normais. Presumo que Espanha tenha sido informada",
prossegue o tenente-general. "A seguir aos atentados relacionaram-se as
duas situações, mas, reafirmo, apenas como sendo uma ligação
hipotética", diz.
O facto de o imigrante de Leste ter sido informado por marroquinos não
é conhecido por Leonel Carvalho: "A não ser que sejam conversos, não
são conhecidas relações entre romenos e islâmicos".
O caso pode indiciar, por outro lado, que grupos associados à Al-Qaeda
têm ligações a Portugal, através de simpatizantes oriundos dos países
indostânicos e do Norte de África.
Algo que não é confirmado por Leonel Carvalho: "Não temos indicações da
presença em Portugal de indivíduos com ligações à Al-Qaeda. O que não
quer dizer que não passem por cá, até pela localização geográfica de
Portugal".
Perigo global
Nos últimos meses, o tema do terrorismo tem dividido as duas principais
forças políticas espanholas, o PSOE, no poder, e o PP, na oposição,
tendo o diário "El País" escrito, há dias, que os serviços secretos
espanhóis, o CNI, haviam prevenido o Governo, quatro meses antes, do
perigo de a Espanha ser alvo de um atentado. O jornal escreve que o CNI
apontava para um argelino, Allekema Lamari, como sendo o cérebro do
atentado, o que se confirmou.
Depois dos atentados em Madrid, a comunidade dos serviços secretos
europeus tomou consciência de que o perigo não era exclusivo dos
Estados Unidos. Sucede que, após o 11 de Setembro nos Estados Unidos, a
Al-Qaeda começou a operar na Europa, através de grupos associados,
tendo reagido com medidas de precaução à perseguição policial que lhes
foi movida, a partir dessa data.
Os diferentes serviços secretos passaram, então, a trocar informações e
dados - o que antes faziam a contragosto - e a investir em novos meios
humanos e técnicos, tentando vigiar e infiltrar-se em comunidades de
imigrantes e suas organizações, e seguir eventuais suspeitos.
Em Portugal, tanto o SIS como o SEF e mesmo a PJ reforçaram a
vigilância sobre as comunidades imigrantes, nomeadamente, sobre pessoas
provenientes de Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Egipto, e também do
Médio Oriente e de países como Paquistão, Índia, Afeganistão, Malásia,
Filipinas e Indonésia.
Esta vigilância obriga as polícias portuguesas a controlarem -
recorrendo a bases de dados de suspeitos de terrorismo - os pedidos de
visto oriundos de países "suspeitos", sejam para trabalho ou turismo.
Em alguns casos, as polícias são obrigadas a seguir, a partir do
aeroporto, um visitante, na mira de contactos com eventuais células
locais.
É que Portugal, não sendo um alvo prioritário, não está fora da mira
dos grupos terroristas, quer pela sua posição de apoio à guerra no
Iraque, quer enquanto país que foi "colonialista". Têm, de resto, sido
apontados diversos "apoios" que as células europeias da "rede" de Bin
Laden conseguem em Portugal, nomeadamente quando necessitam de se
ocultar.
O SEF tem uma unidade especializada no combate ao terrorismo e a PJ vai
criar uma Unidade Táctica, preparada para a recolha de informações e
para responder, no terreno, a eventuais acções terroristas. O SIS, com
poucos meios operacionais, gere a informação, agindo menos no terreno.