Excerto de um relatório da Statewatch de Fevereiro de 2002
[original em inglês:
http://www.statewatch.org/news/2002/feb/10anarch.htm]
Itália
Anarquistas em Itália foram culpabilizados por uma série de pequenos
atentados à bomba no decorrer dos últimos anos, com o Ministério do
Interior italiano a alegar ligações a grupos em Espanha, Portugal e
Grécia. Em particular, magistrados que realizaram investigações têm
estabelecido ligações entre as suas investigações e acções atribuídas a
anarquistas em luta contra a dispersão, isolamento e regime prisional
severo para prisioneiros políticos (FIES) [Ficheiros Internos de
Especial Seguimento] em Espanha.
Depois da cimeira do G8 em Génova, anarquistas foram responsabilizados
pelas autoridades italianas por confrontos violentos entre a polícia e
manifestantes e seguiu-se um golpe contra o movimento anarquista que
levou a acções no país inteiro envolvendo detenções, buscas e à
investigação de várias pessoas.
O relatório de avaliação da ameaça descreve uma preocupação relativa
aos "primeiros sinais de uma possível ressurreição do terrorismo de
esquerda", devido a episódios de terrorismo anarquista "na segunda
metade de 2001". Estes são atribuídos à "Solidariedade Internacional"
(Solidarieta Internazionale), um nome que serve de fachada para uma
organização que comete ataques no sul da Europa, com exemplos
registados em Itália. Os exemplos apresentados estão incorrectos num
conjunto de aspectos e o problema tem sido provavelmente exagerado para
além do seu real perigo.
Primeiro, o documento declara erradamente que sessenta alegados membros
da Solidarieta Internazionale detidos em Setembro estavam "alegadamente
a preparar ataques terroristas contra a catedral de Milão e outros
alvos na mesma cidade". Os ataques referidos ocorreram de facto em 26
de Outubro de 1999 (uma esquadra dos carabinieri), 28 de Junho de 2000
(igreja de Sant'Ambrogio) e 18 de Dezembro de 2000 (a Duomo, a catedral
de Milão), e foram reivindicados pelo grupo. Sessenta pessoas foram
detidas no dia 18 de Setembro por alegadamente serem membros da
Solidarieta Internazionale, relativamente aos quais se acreditava que
estariam envolvidos nas tentativas de ataque à bomba em Milão (nenhuma
das bombas explodiu) (ver Statewatch vol 11 no 5). Estes foram
[posteriormente] soltos e estão neste momento sob investigação.
Segundo, investigações que foram feitas a outro artefacto que explodiu
em Julho de 2001 fora do Palazzo di Giustizia em Veneza após a cimeira
do G8, também incluídos sob o título "terrorismo anarquista", estão
ainda a decorrer. Apesar de anarquistas e esquerdistas terem sido
primeiramente responsabilizados, o magistrado de investigação Felice
Casson ordenou a detenção de um direitista de 26 anos de idade,
Cristiano Rifani, em Janeiro de 2001 e um segundo suspeito é também um
direitista. Vários casos incluídos no relatório estão ainda por
resolver, incluindo uma explosão [ocorrida] em Roma a 11 de Maio de
2000 que teve como alvo o Instituto de Relações Internacionais e o
Conselho para as Relações Italo-americanas. [Esta] Foi reivindicada
pelo Nuclei di Iniziativa Proletaria num documento de e-mail de 36
páginas. Raul Terilli, Fabrizio Sante Antonini e Roberta Ripaldi, três
activistas, estão sob prisão por ligação a este e outros incidentes
menores relacionados com bombas. Numa carta enviada da prisão para a
revista anarquista Croce Nera Anarchica, Fabrizio Sante Antonini
afirmou que "na noite entre 15 e 16 de Julho de 2001" várias buscas
foram realizadas nas quais "nada foi encontrado". Ele acrescenta que
"depois de mais de dois anos de intersecções, vigilância... as normais
relações pessoais de uma pessoa escritas em registos da polícia
adquirem traços suspeitos e perversos, a fonte de sabe-se lá qual
conspiração criminosa". Ele apelou a todos os activistas e organizações
para se tornarem activos para "desmontar este castelo de areia baseado
em falsidades e mentiras, com o objectivo de calar qualquer voz que
expresse dissidência ou luta".
Um artefacto que explodiu fora da sede da Liga do Norte em Vigonza
(Pádua) a 24 de Agosto de 2001 está também incluído na lista de ataques
terroristas anarquistas apesar de investigadores terem dito em Agosto
que era igualmente provável que tivesse sido colocado por crime
organizado vulgar.
Existe uma longa história em Itália de anarquistas e "esquerdistas" a
aparecerem como suspeitos nas primeiras fases de investigações, serem
detidos e mais tarde provados inocentes. Em 2000 e 2001 dois
julgamentos relativos a explosões ocorridas durante os chamados "anos
de chumbo" primeiramente atribuídas a anarquistas resultaram em penas
para direitistas a actuar em conjunto com o Estado (ver boletim
Statewatch vol 10 no 2 & vol 11 no 3/4). Três membros do Ordine
Nuovo, um grupo neofascista com alegadas ligações aos serviços
secretos italianos e dos EUA, receberam penas de prisão perpétua em 30
de Junho de 2001 por terem colocado uma bomba na Banca dell'Agricoltura
de Milão em 1969, matando dezasseis pessoas. Dois anarquistas, Giuseppe
Pinelli e Pietro Valpreda, foram os primeiros suspeitos. Pinelli morreu
após ter caído de uma janela quando estava a ser questionado sob
custódia e Valpreda passou três anos na prisão. Gianfranco Bertoli foi
declarado culpado a 11 de Março de 2000 por uma explosão ocorrida em
1973 ao pé da esquadra de polícia de Milão na qual quatro pessoas foram
mortas - apesar das suas declarações de que era anarquista, foi
descoberto que tinha sido recrutado pelos serviços secretos italianos,
SIFAR, e que tinha ligações a grupos de extrema-direita,
particularmente ao Ordine Nuovo.
Massimo Cacciari, o antigo Presidente da Câmara de Veneza de
centro-esquerda, criticou tentativas da parte de políticos de
centro-direita de assumir que os ataques à bomba são [da autoria] de
esquerdistas antes de as investigações serem feitas. Aludindo aos "anos
de chumbo", este afirmou que "só na Itália, fingimos que o mundo não
mudou", acrescentando que "nos anos 70, havia a ameaça real de uma
guerra civil, havia golpes de estado... a democracia estava em risco",
o que já não é o caso actualmente.
Luca Giannasi, um informador dos serviços secretos militares italianos
(SISMI) recebeu uma sentença de oito meses de prisão em 14 de Fevereiro
de 2001 por posse de explosivos e foi absolvido nas acusações mais
graves de ter organizado e cometido dois ataques à bomba em Milão.
Baseado numa declaração feita à polícia por Giuseppe Fregosi, um
cúmplice que foi detido por tráfico de armas, Giannasi foi detido por
ligação a uma bomba que explodiu a 22 de Setembro de 1998 em frente a
um escritório da Guardia di Finanza e a um artefacto que não explodiu
colocado na Universidade de Bocconi em 21 de Abril de 1999. Fregosi
afirmou que forneceu a Giannasi o explosivo que o último afirmou que
iria ser utilizado na construção de artefactos explosivos. Esta prova
não foi admitida em tribunal porque Fregosi recusou-se a repetir as
suas alegações no julgamento. Giannasi alegadamente disse aos SISMI que
ataques por parte de anarquistas estavam iminentes entre Junho e
Setembro de 1998 e responsabilizou anarquistas de Milão pelo ataque ao
escritório da Guardia di Finanza. Um panfleto de um grupo muito
desconhecido, o Nuclei di Guerriglia Antirazzista (Unidades de
Guerrilha Anti-Racista) foi convenientemente encontrado com o artefacto
numa sala da Universidade.
A inclusão do "terrorismo anarquista", baseada apenas em provas vindas
de Itália, torna imperativa a interrogação sobre o papel provado de
direitistas que estiveram na origem de explosões em Itália. Num caso um
conhecido direitista foi apanhado com a mão vermelha quando se feriu a
si próprio numa tentativa de realizar um ataque à bomba à sede de Roma
do diário comunista Il Manifesto em 22 de Dezembro de 2000. Andrea
Insabato, um direitista com ligações ao líder da Forza Nuova, Roberto
Fiore, foi detido após o ataque contra o Il Manifesto e recebeu uma
sentença de prisão de 12 anos em Fevereiro de 2001. Em anos recentes um
museu do movimento de Resistência (contra o nazismo e fascismo) e um
cinema onde um filme sobre o criminoso de guerra nazi Adolf Eichmann
estava a ser exibido foram também atacados com artefactos explosivos.
--- Statewatch, "Anarchists to be targeted as 'terrorists' alongside Al Qaeda"